Fonte: A GAZETA em http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2013/02/noticias/cidades/1407198-sao-judas-fraudava-sus-ameacava-funcionarios-e-fazia-partos-sem-medico.html
22/02/2013 - 17h51 - Atualizado em 22/02/2013 - 19h07
Auditores do Sistema Único de Saúde estiveram no hospital em outubro de 2012 e constataram diversas irregularidades
Leonardo Soares
Falsificação de prontuários, partos sem assistência médica e fraude ao Sistema Único de Saúde (SUS). Estas foram algumas das diversas irregularidades encontradas dentro do Hospital São Judas Tadeu, de Guarapari, durante uma auditoria realizada em outubro de 2012 pelo Departamento Nacional de Auditoria do SUS (DENASUS). O hospital é alvo de investigação do Ministério Público Estadual (MPES) e do Conselho Regional de Medicina CRM) após a morte de sete recém-nascidos entre os meses de janeiro e fevereiro deste ano.
A auditoria foi realizada entre os dias 15 e 26 de outubro do ano passado, após uma solicitação do Ministério Público Federal, que recebeu denúncias anônimas enumerando uma série de práticas irregulares do hospital, entre elas “O nascimento de bebês sem nenhuma assistência médica ou de enfermeiros”, como consta no relatório do SUS.
Foto: Ricardo Medeiros
Wallas Nascimento Borges e a esposa, Jedislaia Nascimento. Ela é mãe de um dos sete bebês que morreram em 2013. Mesmo atendida meses após a conclusão da auditoria, ela alega que o médico só chegou à sala de parto após meia hora de dores e contrações
A constatação foi sustentada por entrevistas de ex-funcionários da unidade hospitalar e também de pacientes que tiveram filhos no hospital. Em um dos casos, a mãe alega que foi orientada - já internada - a ficar com as pernas fechadas para evitar o parto. E, no dia de receber alta do hospital, não foi examinada por um médico. Assim como Jedislaia, da foto acima, a outra mãe também revelou não ter um médico de plantão no horário do parto. Leia o relato completo, feito em outubro à equipe responsável pela auditoria:
“Internei às 3h da manhã do dia 13/10/2011, já em trabalho de parto, com contrações e com a bolsa rompida. Às 18h fui medicada pelo Dr Frederico que alegou que a criança era prematura. Recomendou que eu voltasse para casa. Por solicitação de uma funcionária do hospital ele permitiu que eu ficasse internada, mas recomendou que eu permanecesse com as pernas fechadas para evitar o nascimento, já que a criança era prematura. As contrações eram fortes, mas permaneci na posição recomendada por algumas horas. Quando não suportei mais a criança já estava com a cabeça para fora e nasceu imediatamente. O parto ocorreu às 22h30, e foi acompanhado por uma técnica de enfermagem, pois não havia médico de plantão. Recebi alta sem ser observada por médicos, somente a criança foi consultada pelo pediatra”.
O médico foi procurado por telefone para falar sobre o caso. As ligações eram direcionadas à caixa de mensagens.
Validade
Entre outras constatações registradas no relatório da auditoria, estão: qualidade precária na descrição e composição dos prontuários dos pacientes, irregularidades na cobrança de procedimentos e cobranças por procedimentos que não foram realizados, rasuras e ausência de assinaturas de médicos e pacientes em Notificações de Alta Hospitalar, ausência de um responsável técnico no hospital e até a falta do Alvará Sanitário, vencido desde junho de 2012.
De acordo com a evidência descrita no relatório do SUS, o Hospital São Judas “apresentou um Alvará Sanitário Provisório, emitido pela Secretaria Municipal de Saúde de Guarapari”. No entanto, “o prazo de validade expirou em 30/06/2012”, aponta o documento.
Após a verificação das denúncias no local, foi encaminhado um ofício à proprietária da unidade de saúde, solicitando que em 15 dias após o recebimento das notificações, para que se manifestasse sobre as constatações. Mas a auditada não apresentou justificativas, segundo consta na conclusão da auditoria.
O quadro de funcionários do hospital também foi alvo de vistorias e foram encontrados vários dados desatualizados sobre a equipe no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). Médicos, auxiliares de enfermagem e técnicos de enfermagem e de radiologia, que constavam no quadro, não trabalham no hospital, segundo a auditoria. Além disso, uma auxiliar de enfermagem que virou enfermeira do hospital, sem alteração dos dados na CNES.
Foto: Ricardo Medeiros
Certidões de óbito dos sete recém-nascidos que morreram em 43 dias
A Defensoria Pública do Espírito Santo designou um defensor exclusivo para acompanhar as famílias dos sete bebês que morreram logo depois do nascimento em Guarapari. O defensor Gustavo Vasconcelos Cerqueira Motta vai colher informações com os familiares para auxiliá-los sobre as possíveis medidas que poderão ser tomadas.
Todos os bebês nasceram no Hospital São Judas Tadeu, no bairro Muquiçaba, um estabelecimento particular que também realiza atendimentos pelo Sistema Único de Saúde – SUS, e foram sepultados entre os dias 8 de janeiro e 18 de fevereiro. Entre as famílias, há relatos de demora na realização do parto e também da falta de incubadora para a acomodação de um bebê prematuro
Falsificação
Um dos principais tópicos da denúncia anônima dizia respeito a “internações fictícias”, assim classificadas na conclusão do relatório. De acordo com a denúncia anônima, pare receber verbas do SUS, funcionárias falsificavam prontuários por determinação da proprietária do hospital.
Uma ex-funcionária do hospital revelou ter utilizado o próprio nome e o dos filhos, devido à pressão para praticar as falsificações, em prontuários infundados. Ao recusar permanecer no esquema, praticado também por outros funcionários, “foi obrigada a fazer várias tarefas, inclusive limpeza e ainda sofria ameaças da proprietária do hospital e de outra funcionária a mando da proprietária".
Demitida em abril de 2012 e ameaçada, a funcionária – segundo ela mesma relatou aos auditores à época – procurou a Delegacia de Guarapari onde prestou um Termo de Declaração, confirmando as ameaças. Em nome da mesma funcionária, a equipe de auditoria localizou um prontuário referente à suposta internação em nome dela. Na Notificação de Alta Hospitalar, os fiscais não encontraram nem a assinatura de um médico, nem a da paciente.
O que chamou a atenção dos auditores é que tanto a Ficha de Internação, a Ficha de Prescrição e a Notificação de Alta Hospitalar “possuem caligrafia semelhante, e que coincide com a letra da suposta paciente que assina a ficha de internação”, revela a evidência descrita no documento do SUS.
Ainda de acordo com os relatos da ex-funcionária, era comum utilizar nas falsificações de prontuários o procedimento “Tratamento de Distúrbios Metabólicos” como procedimento principal, pelo fato da doença ser considerada comum em cidades litorâneas durante o verão. O fato dificultaria a constatação das fraudes.
Procurada pela reportagem para esclarecer o motivo de não ter se posicionado sobre as observações feitas durante a auditoria e sobre as supostas falsificações de prontuários, a direção do Hospital São Judas Tadeu não atendeu aos telefonemas.
MPF: análise da auditoria em andamento
O Ministério Público Federal, órgão que solicitou a auditoria ao DENASUS, continua com o Procedimento Administrativo em aberto, para apurar as possíveis irregularidades na execução de convênio com o SUS, por parte do Hospital São Judas Tadeu. O responsável pelo caso é o Procurador Regional dos Direitos do Cidadão, André Pimentel Filho.
A assessoria do MPF explicou, por meio de nota, que o pedido de auditoria foi feito em agosto de 2012. O relatório da auditoria foi recebido pelo MPF/ES no dia 25 de janeiro de 2013 e, "em 20 de fevereiro, foram recebidas informações complementares".
Após a análise do relatório da auditoria, caso sejam constatadas irregularidades - como desvio de verbas federais - o MPF/ES irá adotar as medidas judiciais cabíveis, tanto cíveis quanto criminais, conclui a nota.
Fonte: gazeta online
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