sexta-feira, 26 de abril de 2013

Pesquisas auxiliam na construção de indicadores de acidentes de trânsito

 


Tatiane Vargas

Recentemente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou o Relatório Mundial da Segurança no Trânsito 2013. Utilizado para monitorar o progresso da Década de Ação pela Segurança no Trânsito, proclamada pelas Nações Unidas, o documento traz ampla avaliação da situação de 182 países – incluindo o Brasil – e analisa como e em que medida as nações vêm implementando ações necessárias a melhorar a segurança viária. O relatório aponta que países de renda média, como o Brasil, respondem por 80% das mortes por acidentes de trânsito no mundo. O documento cita que os 182 países pesquisados cobriram a quase totalidade da população mundial. Nas Américas, por exemplo, 32 dos 36 países membros da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) participaram da pesquisa (98,5% da população da região). Em uma análise geral, o relatório expõe que, entre 2007 e 2010, as mortes no trânsito diminuíram em cerca da metade dos países, mas aumentou na outra metade – principalmente nos países de baixa e média renda.

Outros pontos destacados pelo relatório apontam que 35 países aprovaram novas leis, mas apenas 28 (7% da população mundial) têm legislação adequada para os 5 principais fatores de risco no trânsito (excesso de velocidade; beber e dirigir; não usar capacetes ao utilizar motos; cinto de segurança e mecanismos de retenção para crianças). Além disso, apenas 59 países apresentam o limite máximo de 50 km/h para vias urbanas, havendo a possibilidade de ele ser reduzido pelas autoridades locais (estado/município); apenas 89 países apresentam alcoolemia menor ou igual 0.05 g/dl; e somente 111 países têm leis que obrigam o uso de cinto de segurança para todos os ocupantes dos veículos. Para o Brasil, o relatório apresenta taxas próximas a 20 mortes no trânsito para cada grupo de 100 mil habitantes. Ele mostra ainda que usuários de motos e ciclomotores representaram a maior proporção dos óbitos por acidentes por transporte terrestres, tendo ultrapassado a de pedestres e de ocupantes de automóveis. O documento aponta também para os rigores da legislação em relação aos níveis de alcoolemia para condutores e identifica oportunidades de aprimoramento em aspectos relacionados ao pós-acidente e na fiscalização dos principais fatores de risco.

Por fim, o Relatório da Situação Mundial da Segurança no Trânsito 2013 mostra que nenhum país pode se declarar como tendo alcançado plenamente a segurança no trânsito. Mesmo entre os países de alta renda, em que as taxas de mortalidade nas vias são relativamente baixas, o trânsito continua a ser uma das principais causas de morte, em especial entre os jovens. No Brasil, de acordo com a pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) Edinilsa Ramos, ainda existem relativamente poucos estudos sobre o tema, e muito precisa ser feito para ajudar a melhorar os indicadores de mortes por acidentes de trânsito. Para entender um pouco mais sobre a temática, segundo a pesquisadora, muitas pesquisas vêm sendo desenvolvidas na Ensp. Em entrevista, Edinilsa falou sobre os resultados de uma pesquisa recente, cujos dados são reflexo dos estudos realizados ao longo de quase dez anos – Avaliação do processo de implantação e implementação do Programa de Redução da Morbimortalidade por Acidentes de Trânsito, desenvolvida em parceria com a também pesquisadora Fabiana Castelo Valadares.
Como teve início o desenvolvimento de pesquisas acerca da temática das mortes por acidentes de trânsito na Ensp?

Edinilsa Ramos: Foram várias pesquisas já desenvolvidas em relação ao tema. O processo de avaliação da política de redução da morbimortalidade por acidentes de trânsito, encabeçada pela Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS/MS), começou em 2004 ao avaliarmos a experiência-piloto dos municípios de São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte, Recife e Goiânia. Naquela ocasião, tais capitais iniciaram ações locais de prevenção aos acidentes de trânsito no âmbito da saúde, embora, em alguns deles, já existissem iniciativas focadas nessas atividades.

Essa primeira avaliação trouxe informações importantes para a ampliação do projeto em outros 11 municípios brasileiros (Boa Vista, Porto Velho, Palmas, Campo Grande, Cuiabá, Brasília, Teresina, Fortaleza, Salvador, Florianópolis e Rio de Janeiro), quando o Centro Latino-Americano de Estudos de Violência Jorge Carelli (Claves) realizou a segunda avaliação, no ano de 2008, buscando aprimorar as ações de prevenção dos acidentes de trânsito. Como resultado dessa avaliação, foi constituído um painel de indicadores validados nacionalmente e elaborado um panorama dos 11 projetos avaliados. Dentre esses, cinco foram escolhidos para o aprofundamento das análises, que contaram também com uma etapa de pesquisa qualitativa de campo. O relatório dessa segunda pesquisa foi apresentado ao Ministério da Saúde e suas contribuições foram adotadas como recomendações aos próximos convênios firmados.

No ano de 2012, uma nova pesquisa começou a ser realizada com o objetivo de avaliar todos os 99 projetos apoiados pelo Ministério da Saúde e desenvolver metodologias de criação, hierarquização e aplicação de indicadores avaliativos. As pesquisas tiveram como objetivo geral avaliar o processo de implantação e implementação do Projeto de Redução da Morbimortalidade por Acidentes de Trânsito (PRMMAT) no Brasil. Já os objetivos específicos foram: descrever o histórico de chegada e implantação dos projetos; analisar o processo de implementação dos projetos; mapear as ações de prevenção aos acidentes de trânsito; investigar as percepções de gestores, coordenadores e executores das ações do projeto acerca dessas experiências; identificar potencialidades e desafios para a implantação e implementação do projeto nos municípios; e a última delas visou também revalidar e hierarquizar os indicadores de avaliação.

Como foi o processo para o desenvolvimento das pesquisas?

Edinilsa: Em todos os estudos, trabalhamos com a perspectiva da pesquisa estratégica, ou seja, aquela que é realizada buscando iluminar determinados aspectos da realidade, com a finalidade de subsidiar políticas públicas. Uma pesquisa estratégica segue todos os passos de uma investigação básica, mas está totalmente orientada para a prática. Foi adotada a metodologia de triangulação de métodos, usando abordagem quantitativa e qualitativa para avaliar a implementação do PRMMAT. Além disso, diferentes técnicas foram utilizadas e incorporados distintos pontos de vistas dos sujeitos.

Essa abordagem é desenvolvida mediante aplicação de um questionário aos projetos, com questões abertas e fechadas que se referem a itens de estrutura e processos que conformam os indicadores avaliativos. O objetivo da etapa é caracterizar essas experiências e avaliar seu desempenho. Buscando analisar a ótica dos sujeitos e resgatar suas experiências, expectativas e valorações acerca das ações, foram aplicadas técnicas qualitativas como entrevistas, com roteiros semiestruturados, individuais (coordenador do projeto, parceiro das ações, gestores da saúde e do trânsito) e em grupo (equipe dos profissionais que atuam no projeto), observação de campo e técnicas de consenso para a construção, revalidação e hierarquização de indicadores.

A construção, validação, revalidação e hierarquização dos indicadores avaliativos foram realizadas por meio de distintas metodologias em cada uma das pesquisas como: oficinas de trabalho para criar, identificar indicadores já existentes e provenientes de outros estudos, e para validar, revalidar e hierarquizar os indicadores que aferem o cumprimento das diretrizes da Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências e do Código Nacional de Trânsito. Para isso, foram aplicadas técnicas de consenso como o Grupo nominal e a Delphi, das quais participaram coordenadores dos projetos em questão, representantes do Ministério da Saúde e especialistas no tema.

Quais foram os resultados encontrados e que desafios estão postos aos projetos que estudam o tema?

Edinilsa: Dentre os pontos positivos a serem apontados estão a incorporação do tema dos acidentes de trânsito no âmbito das ações de prevenção do setor saúde em geral e nas atividades desenvolvidas pela rede de Núcleos de Prevenção da Violência e Promoção da Saúde (374 municipais e 21 estaduais em atividade no país); e a ampliação do número de projetos de prevenção dos acidentes de trânsito hoje existentes na realidade brasileira (99 experiências).

Como iniciativas criativas, inovadoras e promissoras, ressaltam-se a constituição de Conselhos Municipais de Trânsito (a exemplo de Palmas), as parcerias com Universidades (no caso do Projeto de Florianópolis com a Universidade Federal de Santa Catarina), a formação de comitês de monitoramento e avaliação das ações (em Campo Grande). Esses exemplos de iniciativas propiciam mais institucionalidade no tratamento dos problemas de trânsito e como eles afetam a saúde e a corresponsabilidade das diversas instituições sociais na intervenção e na prevenção dos acidentes.

Dentre os indicadores avaliativos da implantação e implementação da PNRMAV, os projetos cumprem melhor duas diretrizes: a promoção da adoção de comportamentos e de ambientes seguros e saudáveis, e o monitoramento e vigilância da ocorrência de acidentes de trânsito e de transporte. Entretanto, as ações correspondentes a essas diretrizes são ainda tímidas e pouco abrangentes frente à magnitude do problema. Cabe, no entanto, destacar que os projetos necessitam intensificar as ações voltadas para as diretrizes relativas à assistência, nos seus distintos níveis, e à capacitação de recursos humanos.

Em relação aos desafios para os projetos que estudam o tema, embora a parceria do setor saúde mais constante seja com o setor do trânsito, nem sempre as ações informadas pelas equipes e coordenadores são desenvolvidas em conjunto. Pelo contrário, na maioria das vezes, elas são realizadas paralelamente, sem configurar um trabalho inter-setorial e articulado. Se por um lado, essa proposta no setor saúde é uma novidade, que implica ampliar e inovar o escopo das ações desse setor, por outro, para o setor do trânsito, essa é uma missão histórica. No entanto, no âmbito do convênio, o protagonismo da maioria das ações tem sido na área de trânsito, com estratégias pouco inovadoras.

Como apontado na avaliação realizada em 2006, nos municípios de Recife, Belo Horizonte, Goiânia, São Paulo e Curitiba, permanece a dificuldade de integração da Secretaria de Saúde com a de Educação e o órgão de trânsito estadual (Detran), o que compromete a consolidação dessas importantes parcerias. As articulações ao interior das próprias Secretarias de Saúde são escassas e precisam ser estimuladas e promovidas pelos gestores em todos os níveis de governo, por equipes e Ministério da Saúde, de forma a integrar setores como atenção básica, vigilância epidemiológica, promoção da saúde, atenção a crianças, adolescentes e idosos, dentre outros. Um dos grandes limites para o conhecimento sobre os acidentes de trânsito é a inexistência de sistemas integrados e a dificuldade de comparabilidade dos diferentes bancos de dados que envolvem saúde e trânsito.

Constatou-se, em 2009, que alguns projetos avançaram um pouco mais em comparação aos avaliados em 2006, no sentido de buscar a complementaridade das informações. Muitos projetos, embora formalmente fazendo parte do setor de Vigilância Epidemiológica dos Municípios, não realizam vigilância sobre os acidentes de trânsito por dados adequados. As equipes de saúde responsáveis pela execução dos projetos são pequenas e não têm dedicação exclusiva às ações do trânsito.

O que destacaria em relação aos avanços e limites da avaliação?

Edinilsa: O primeiro ponto a ser destacado é a importância dessa experiência avaliativa de programas e projetos governamentais, com indicadores selecionados e passíveis de comparação, prática ainda muito pouco difundida na cultura do país. Nesses estudos, inovou-se ao incorporar uma metodologia que construiu, validou e aplicou indicadores avaliativos com foco na PNRMAV. Embora isso tenha sido um avanço, considera-se que esses indicadores ainda precisam ser aprimorados em relação à sua especificidade, à inclusão de outros mais focados nas singularidades do trânsito e no gradual cumprimento daquilo que é preconizado nas políticas de Estado. É importante destacar que essas pesquisas não avaliaram a efetividade dos projetos na redução da morbimortalidade dos acidentes de trânsito. O objetivo foi analisar apenas o processo de implantação e implementação dessas experiências.

Frente aos resultados encontrados na pesquisa, como analisa a situação da segurança viária brasileira?

Edinilsa: As pesquisas que vêm sendo realizadas não se detêm nessas análises específicas sobre a situação da segurança viária. No entanto, sabemos, a partir de outros estudos, que o país apresenta elevadas taxas de mortalidade no trânsito, mesmo comparado a outros países da América Latina. O que os estudos apontam como fatores determinantes para a ocorrência desses eventos são problemas relacionados às precárias condições de grande parte das nossas rodovias (conservação, sinalização, planejamento); os problemas do trânsito nas cidades (falta de infraestrutura para pedestres, ciclistas e motociclistas; aumento do número de veículos sem adequado planejamento urbano; a falta de um transporte coletivo de qualidade, o estado de conservação dos veículos, dentre outros) e o comportamento inadequado dos usuários (pedestres e condutores).

Uma questão que merece ser mencionada é que as estratégias preventivas, até então priorizadas, focalizam a educação no trânsito e intervenções, que privilegiam a mobilidade do veículo e a segurança dos seus ocupantes. O país conta atualmente com várias leis complementares ao Código Nacional de Trânsito dirigidas a ações específicas, como o uso do cinto e outros equipamentos de segurança, penas severas para condutor que faz uso de bebida alcoólica, dentre outras, que constituem avanços. Entretanto, as leis em si não garantem mudanças no comportamento. É preciso reforçar sua fiscalização e garantir as condições de um ambiente seguro e saudável no trânsito. No âmbito da atenção à saúde, é preciso reconhecer que o Samu ajudou a prevenir muitas mortes e, certamente, reduziu a probabilidade de sequelas ao prestar atenção rápida e de qualidade às vítimas.

O relatório da OMS apresentou a situação brasileira frente aos acidentes de trânsito, o que pode ser feito para mudar o panorama do país?

Edinilsa: Além de investir nos problemas já mencionados, o incentivo do Ministério da Saúde para a criação dos projetos avaliados e sua ampliação têm sido muito positivo. No entanto, é preciso investir numa rede que os torne parte de um todo em construção permanente. Não existe uma rede integrada, cada projeto desenvolve suas ações por si só, exceto quando o ministério promove algum encontro para socialização dos trabalhos. Com o advindo do Projeto Vida no Trânsito, que é parte das ações planejadas para a Década de Ação para a Segurança Viária, a expectativa é que a integração dessa rede se efetive.

Seria importante que o setor saúde investisse em propostas inovadoras, incisivas, criativas para essa área, pois possui um Sistema de Monitoramento e de Vigilância importante para o planejamento em longo prazo, que está subutilizado, sobretudo, quanto ao aproveitamento dos dados para a mobilização das comunidades, dos gestores e da sociedade civil. Por exemplo, é fundamental realizar análises das sequelas e dos custos dos acidentes de trânsito nos municípios e dos traumas vividos pelas vítimas e suas famílias.

Embora todo o sistema de saúde necessite de aprimoramento para o enfretamento da questão em pauta, chamamos a atenção para a reabilitação. Hoje, nas cidades avaliadas o sistema de reabilitação é quase inexistente, e em todos os lugares, insuficiente. É muito importante que, assim como foi o caso do investimento no nível pré-hospitalar, o Sistema Único de Saúde (SUS) focalize o nível de reabilitação. Isso é fundamental não apenas para vítimas de trânsito como de outras sequelas e problemas como é o caso da população vítima de acidentes de trabalho e os idosos.

De que maneira a pesquisa contribuiu para o Programa de Redução da Mortalidade?

Edinilsa: Para os projetos avaliados, a realização da pesquisa tem contribuído ao sensibilizar as equipes para ações que poderiam estar sendo desenvolvidas em seus municípios, ao possibilitar a autoavaliação das suas experiências e permitir a troca de conhecimento sobre o que está ocorrendo em cada um dos projetos. Para o Ministério da Saúde, as avaliações têm permitido conhecer o que ocorre nas iniciativas que vêm apoiando, além de identificar a necessidade de reforçar as boas práticas e ajustar os rumos da política de prevenção dos acidentes de trânsito. Para o conhecimento científico, esses estudos vêm aprimorando o desenvolvimento de metodologias avaliativas e de construção de indicadores.

*Com informações do Relatório Mundial da Segurança no Trânsito 2013.

Publicado em 12/4/2013.

Fonte: http://www.fiocruz.br/ccs/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=5303&sid=3

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